Simplesmente, genial.
Algumas das coisas mais inacreditáveis que tenho assistido ultimamente são os ataques (e respectivos argumentos) dirigidos ao novo partido da esquerda, o Partido Livre. Compreendo o vaticínio que o mesmo não vai ter sucesso e até algumas críticas de conteúdo ou estratégia, mas os ataques de que o este partido surge para o Rui Tavares garantir um "poleiro" (com a sua conotação negativa igual à de "tacho") no Parlamento Europeu ou até a argumentação de que há muitos partidos de esquerda são inacreditáveis se tivermos em conta que é o discurso que vejo em malta pela blogosfera e no twitter que fazem parte talvez de um grupo social informado e sem grande ligação partidária (isto é, sem ter um interesse directo em fazer "real politiks").
Sobre a conversa do "tacho", enjoa a conversa dignos dos nossos facebooks da desinformação (espero ver esta conversa da treta lá e evitar responder à maior parte das baboseiras que lá se metem). Fica um post do David Crisóstomo a explicar a parvoíce deste argumento, dado que o próprio Rui Tavares recusou uma solução fácil: candidatar-se pelo PS.
E se o Rui Tavares tivesse criado um partido porque os outros não o queriam? Ora bem, há uma coisa chamada democracia. Parece que custa a muita gente, mas os cidadãos portugueses são livres de se candidatar a vários cargos formando um partido (que tem de ter milhares de assinaturas, responsabilidades e financiamentos).
Por fim, o problema português não é existirem muitos partidos, é o facto de a maior parte deles estarem na mesma área política. Em Portugal, os cinco partidos/coligações regularmente eleitos fazem parte apenas de três famílias europeias. PSD e CDS estão nos Populares Europeus (PPE), o PS na Internacional Socialista e a CDU e o BE estão no GUE (Esquerda Unitária Europeia). Ora se o PPE e o S&D (Aliança dos Socialistas e Democratas Europeus) são claramente os dois maiores grupos parlamentares quer no Parlamento Europeu quer em boa parte dos países europeus, o GUE aparece no PE apenas como a sexta força.
A Aliança dos Democratas e Liberais pela Europa (ADLE) é a terceira maior família europeia (fazendo parte até do arco de governação em muitos países) e não tem qualquer representação portuguesa que se adivinhe a curto-prazo. A quarta força vêm dos Verdes Europeus, a filial cá é um partido satélite do PCP (Partido Ecologista "Os Verdes) tanto que, no Parlamento Europeu, situa-se... no GUE. A quinta é a família dos eurocépticos (Reformistas e Conservadores Europeus).
Este partido aparenta encaixar nos tais Verdes Europeus ou numa linha próxima da social-democracia (mas não tanto do PS). Com o esgotar dos "temas fracturantes", o Bloco de Esquerda é apenas um conjunto de partidos de extrema-esquerda e vê com maus olhos a parte que quer o levar para uma social-democracia mais à esquerda. Com isto, surge um espaço vazio entre o radicalismo de esquerda (PCP e BE) e a social-democracia (PS). O Bloco é que está a mais neste momento, não sendo um partido entre o PCP e o PS. Mais, o Bloco nunca se dispôs a negociar coligações com o PS. Essa é que é a grande inovação da proposta do Rui Tavares.
Conclusão, em termos de clarificação política, este Partido Livre (não gosto do nome, mas pronto) é de salutar. Não é a minha área política, mas é positivo que haja um partido que vá pressionar o PS a clarificar as suas posições. Mesmo que não houvesse o tal espaço que expliquei acima, seria positivo por isto só.
Nota: estranho o pouco entusiasmo do Daniel Oliveira.
Um dos argumentos contra privatizações mais usado é que essa empresa do Estado dá lucro e que estão a delapidar uma fonte de rendimento. Este argumento parece-me a última gota de água num copo a transbordar com uma discussão sem fundamento e sem discutir o essencial.
A minha resposta por instinto é que o lucro não é justificação para privatizar ou nacionalizar. Isto depende da organização económica que pretendemos. Obviamente, um comunista é contra qualquer privatização, tal com um anarco-capitalista é contra qualquer nacionalização, sendo ambos a favor do seu oposto. No entanto, para quem acha que há um mínimo de papel económico do Estado ou Mercado a ser distribuído, penso que jamais faz sentido dizer "dá lucro, deve ser estatal" ou algo do género. É fácil perceber, por essa lógica, que a mercearia da minha tia ou negócio de carros devia ser nacionalizado. Mas se tem lucro, quer dizer que, à partida, este serviço/bem pode estar bem num mercado liberalizado, ou não? Lá está, também não é assim tão simples, como vou explicar mais à frente.
Porque este argumento é utilizado, mesmo entre alguns comentadores? Poderia ser um mistério, mas acho que deve-se sobretudo a uma ausência de pensamento sobre o papel do estado na economia. A argumentação é por instinto e bastante primitiva. Pior, acho que têm razão os que falam de um país que quer apenas direitos e não deveres. Não gosto deste discurso básico, mas parece-me que é este o posicionamento da maior parte dos portugueses perante o Estado: é nosso quando nos toca a receber e utilizá-lo (serviços e bens), não aceitamos prescindir de qualquer serviço (mesmo que este fosse vendas de sapatos), mas não é nosso quando é para contribuir para o mesmo (impostos... embora ter uma empresa que dê lucro no Estado não esteja longe de ser um imposto). Outra componente deste discurso é a aversão ao lucro... como se este fosse imoral.
Portanto, o lucro não interessa nada para o assunto, certo?
Depois de pensar um bocado, acho que pode (e, se calhar, deve) entrar na "equação", mas não da forma que tem sido feito. Se o lucro pode indiciar que pode viver bem num mercado liberalizado, a questão surge na "parte que não dá lucro". Serviços como saúde, educação, segurança, justiça, entre outros, colocariam em exclusão parte da população porque o mercado não garante lucro às empresas que forneçam nesses segmentos. É por aí terem prejuízo (e não lucro) que se entende que deve haver um serviço estatal do mesmo.
Outra razão possível é que mesmo dando lucro, sendo um monopólio natural ou com grandes barreiras à entrada de competidores, o mercado não garante a competição necessária. É uma questão bem mais complexa, sobretudo de chegar a uma conclusão em cada caso, mas é uma boa razão para pertencer ao Estado certos serviços. Um exemplo disso mesmo é a REN, não vão haver competidores a montar redes eléctricas ao lado para competir com esta, daí tornar-se um absurdo a sua privatização.
Devem haver mais algumas, mas estas parecem-me as principais razões para defender a nacionalização de um serviço ou bem.
Surgiu esta questão ao longo do próprio longo percurso de privatizações em Portugal. O argumento fácil "vão vender outra empresa que dá lucro" que não tem cabimento na discussão surge sempre logo na "esquina". O último caso é os CTT. A empresa deve ou não ser privatizada por múltiplas razões, mas não por dar simplesmente lucro. É o factor comunicação e o seu valor subjectivo de serviço público que deve ser discutido.
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